Eu nunca fui uma pessoa muito atlética. Quem estudou comigo, principalmente lá na infância, deve lembrar que eu era a antepenúltima a ser escolhida para os times. Não sei por que exatamente essa posição, mas era sempre assim.
Eu não achava isso legal mas também não me incomodava muito, porque na minha família quase ninguém era ligado em esportes. Nem praticar, nem assistir. Meu avô materno era a única exceção, mas a vida dele aqui em São Paulo já não era tão ativa quanto no Rio (lá ele remava todos os dias no mar). Só posso imaginar a falta que isso lhe fez depois de vir pra cá.
Comecei a jogar tênis com quase 40, e confesso que lamento um pouco ter passado tanto tempo sem entender verdadeiramente o que praticar um esporte pode nos ensinar sobre nós mesmos. Não é que antes eu fosse sedentária, faço alguma atividade física com regularidade desde os 15 anos, normalmente musculação ou pilates. Na infância fiz natação e equitação, na juventude surfe e ioga, mas não me envolvi de verdade com nenhuma dessas práticas. O mais comum era que eu encarasse a atividade física como mais uma obrigação a ser cumprida, em nome do meu bem-estar físico e emocional.
Só que eu já andava com uma pulga atrás da orelha de que eu deveria buscar algo mais desde que fiz minha formação na Integral Coaching Canada. Isso porque o coaching integral leva muito em conta nossa inteligência somática. Lá convivi com vários atletas (tenho colegas de turma e alunos de supervisão que praticam modalidades que eu nem conhecia, fico chocada com seu nível de flexibilidade, agilidade, força, é lindo de ver). Como sempre conto, meu professor preferido de lá era faixa-preta de jiu-jitsu e dava aulas de acroyoga.
Então eu comecei a entender como essas pessoas tinham uma relação muito mais profunda do que eu com seu corpo e com tudo que ele pode nos ensinar. O que também ajudou a reforçar essa sensação foram meus clientes de coaching que praticavam seriamente algum esporte. Era impossível negar o papel que isso ocupava em suas vidas. Também ficava impressionada em como eles aprendiam a lidar com padrões psicológicos profundos ao jogar tênis ou praticar jiu-jitsu.
Fiquei pensando em tudo isso porque ontem me deparei com um post muito bom do Fernando Meligeni no LinkedIn sobre o jogo do Alcaraz no torneio de Monte Carlo. Basicamente ele analisa que o Alcaraz não estava em um dia bom, não jogou tão bem quanto ele consegue, mas mesmo assim conseguiu ganhar. O Meligeni concluiu, então, com uma frase que achei incrível:
O jogo se vence com o que temos, não com o que gostaríamos de ter.
Isso é tão verdade, em tantas camadas. Muitas vezes nós ficamos presos em lamentações em relação ao que gostaríamos de ter alcançado e não percebemos que ainda conseguimos ganhar o jogo: na carreira, nos relacionamentos, na vida.
Isso me fez refletir sobre tudo que o tênis tem me ensinado, nesses míseros 22 meses desde que comecei a aprender a jogar. Tive vontade de compartilhar com vocês e quem sabe incentivar mais alguém a encontrar um esporte que ame.
Celebre suas pequenas vitórias
Uma das primeiras coisas que meu professor de tênis percebeu sobre mim foi meu nível de autocrítica. Quase nada é bom o suficiente ou motivo para comemoração. Tenho exemplos disso o tempo todo. Essa semana, por acaso, tive alguns fechamentos importantes de trabalho e recebi elogios maravilhosos, que deveriam ter me emocionado. Me percebi inicialmente impassível, porque na minha sensação não fiz nada demais. Ao notar esses momentos eu paro, respiro fundo e busco me permitir realmente escutar e absorver o que está sendo dito. Não é fácil mas sigo caminhando.
Esse é um padrão perigoso, que pode até mesmo atrapalhar o aprendizado e fazer você perder sua motivação. Reconhecer o que está indo bem, o que você acertou, é fundamental para o processo de aprendizado.
Vi um jogo de tenistas profissionais esse final de semana e me chamou a atenção o quanto elas realmente comemoravam cada ponto, por mais banal que fosse. Veja que banal é por minha conta, olha aí o meu vies aparecendo.
Muitas vezes perdemos o jogo sozinhos
No tênis você pode perfeitamente fazer todo o trabalho do seu adversário, cometendo erros bobos e perdendo os pontos sem que ele mal tenha que se mexer. E isso tem muito a ver com o que se passa em sua mente. Fica muito palpável o quanto uma narrativa negativa, derrotista, às vezes até cruel, vai te fazendo errar cada vez mais.
O mesmo é válido fora da quadra. Outro dia tive uma conversa muito frustrante, tentando ajudar alguém que estava tão preso em suas histórias de fracasso que não conseguia enxergar todas as boas opções que estavam à sua frente. Viver com uma voz interna que te diminui o tempo todo é muito pior do que qualquer sabotagem externa poderia ser.
Quando alguém tem um vies ultra pessimista em relação a si mesmo, à sua vida, suas possibilidades, é como se uma nuvem escura tingisse tudo e o impedisse de enxergar com clareza. E então esse pessimismo se torna uma profecia autorrealizável.
Esse ponto se conecta com o anterior, pois conseguir mudar sua narrativa interna começa por ser capaz de enxergar tudo que é positivo, que você já tem à sua disposição, que você possui de habilidade e capacidade.
Cada ponto é uma chance de recomeçar
Cada ponto no tênis é um novo começo, uma chance de virar o jogo, de criar uma nova história. Eu, que tendo a ser meio determinista e não acredito muito em viradas, fui aprendendo a acreditar que realmente o jogo não está perdido só porque você teve uma série de fracassos. Mas para isso é preciso que você consiga não ficar preso na raiva ou na frustração. Aprender a deixar as emoções fluirem, respirar e voltar para seu centro. E isso é tão útil em tantos outros contextos.
Quando aprendemos a voltar para essa presença, para o momento de agora, se torna possível retomar nossa capacidade de raciocínio e de ação no meio, por exemplo, de uma entrevista de emprego que vai mal, de uma conversa que está escalando para uma briga, de uma prova na qual tínhamos travado.
Errar é inevitável, aprender é opcional
Por último, o tênis é um jogo de muitos e muitos erros. Eles são inevitáveis e abundantes. E eu sempre odiei errar. Faço de tudo para evitar qualquer erro, ainda mais público. Por isso, para minha personalidade, esse aspecto tem sido a melhor terapia de choque.
Aprendi primeiro a não me importar tanto. A rir e poder fazer piada sobre os momentos ruins. A saber que temos dias horríveis e que o que importa é praticar, evoluir. Aos poucos vamos melhorando.
Também percebi o quanto minha mente pode ser rígida (ou talvez teimosa seja a palavra correta) e como isso é o principal obstáculo para o aprendizado. Às vezes fico tentando mil vezes fazer as coisas de um jeito que já sei que não vai funcionar. Tudo finalmente destrava quando consigo me abrir para a ideia de que a mudança é possível. É antes de tudo um movimento interno: é a mente que abre essa porta. Ela precisa acreditar que existe dentro de mim a capacidade de chegar naquela bola difícil. Acreditar que eu posso aprender antecede o aprendizado.
Todos esses são padrões que eu já conhecia de um jeito ou de outro, mas que agora, na quadra, tenho a possibilidade de observar e trabalhar em um microcosmo no qual tudo acontece de maneira muito mais rápida, palpável, incorporada.
Eu poderia passar mais uns dias listando aqui outros aprendizados. E vocês (muitos que eu conheço, atletas de longa data) ? O que acrescentariam à essa lista?
Amei este texto! Quando eu encontrei o hipismo, aos 38 anos, eu me apaixonei e aprendi a criar uma "casca" que era fazer piada de mim mesma. Como eu sempre fui muito ruim em esportes e demorei anos pra pensar poxa, acho que agora estou montando bem, eu fazia piada de como era ruim e, com zero expectativa, me sentia mais confortável justamente por detestar errar. Ter um esporte que você ama é sensacional, especialmente quando você se supera a cada aula, e sai pensando poxa, aquele problema com o cliente não era tão ruim assim. Cada pequena vitória deixa a gente com mais força emocional para lidar com todo o resto. Eu queria que todo mundo conseguisse encontrar o seu esporte. Além disso eu criei, sei lá daonde veio, uma filha atleta e vejo que ela hoje é uma menina muito difícil de sucumbir à pressão. Quem saltou final de campeonato sulamericano com 17 anos nunca vai ter medo de um chefe na vida. Fui super questionada pela família e hoje ela colhe frutos impressionantes. Meu texto tá maior que o seu! Parabéns Flá e estou amando ter alguém pra comentar tênis. Ah, eu ouço o podcast do Meligeni toda semana, é muito bom!
Adorei a reflexao, Fla! E parabens pelos 22 meses de dedicacao ao esporte ;)