Durante os feriados recentes diversas conversas me deixaram com a palavra potencial na cabeça. Vejo que muitos de nós, mesmo na faixa dos 40, ainda tem muito poder criativo, de construção, não concretizado: há um grande potencial não vivido. Paira uma sensação de que ainda não chegamos lá.
E isso me gerou uma reflexão sobre como podemos saber qual é o nosso verdadeiro potencial: será que é possível determinar tudo que somos capazes de alcançar? Seria tão bom se alguém pudesse simplesmente fazer uma avaliação e nos dar essa resposta, não acham?
Agora me vem à mente uma das cenas mais marcantes da trilogia de Matrix, quando o Neo finalmente conhece “o arquiteto” ao final do Matrix Reloaded. Você não precisa ter visto os filmes (ou lembrar deles) para entender. Tudo que tem que saber é que se trata do momento no qual o herói se vê frente a frente com alguém que tem todas as respostas.
Cito essa cena porque acho que em parte a gente vive como se isso existisse, como se houvesse em algum lugar a chave para tudo, o gabarito, o pergaminho perdido onde nosso plano de vida está traçado. Até já me deparei com clientes de coaching que no fundo desejavam que eu fizesse as vezes do arquiteto e pudesse lhes dar essas respostas definitivas.
E infelizmente (ou felizmente, já que ganhamos em liberdade o que nos falta em certezas) a resposta absoluta não existe, ou pelo menos não nos será revelada por uma figura onisciente vestida de branco em uma sala de controle.
E o problema é que, na falta dessa figura do arquiteto, acabamos muitas vezes usando os outros para nos avaliar. Seja através de comparações, seja através de suas opiniões, tentamos entender o nosso potencial usando o outro como referência. Se eu sou bem visto, reconhecido, bem pago, quer dizer que tenho grande capacidade. Se estou meio jogado de canto, os outros devem estar enxergando com clareza minha falta de habilidade.
E, por mais que ouvir feedbacks bem embasados seja importante, jogar toda nossa noção de quem somos e do que somos capazes nas mãos dos outros é perigoso e pode levar a equívocos imensos.
Muitas das respostas mais importantes sobre nós só podem vir de dentro. E não é preciso encarar isso do ponto de vista espiritual ou místico. Basta refletir sobre o fato de que você foi a testemunha singular da sua vida inteira: é o único que sabe tudo que você já passou, superou, conquistou, como você funciona, raciocina. Conhece suas facilidades e limitações.
Você sabe sobre si dezenas de coisas que os outros não tem como saber. Mesmo que grande parte de suas experiências estejam guardadas em algum lugar longínquo do seu inconsciente, existe dentro de você essa sabedoria que muitas vezes só consegue vir à tona na forma de intuições, de lampejos, de um frio na barriga ou de lágrimas de emoção que parecem fora de hora.
Ainda que ele esteja soterrado embaixo de várias camadas de lixo mental, de crenças limitantes, de medos e vozes críticas, esse saber está aí, dentro de você. O outro, por mais perspicaz que seja, não tem como se equiparar ao seu próprio olhar.
Para dar um exemplo mais concreto da importância de ouvir esse conhecimento de si, no feriado assisti ao filme “Homem com H”, sobre a vida do Ney Matogrosso. Fora a incrível atuação do Jesuíta Barbosa e tantas coisas fascinantes sobre o Ney, o que ficou reverberando na minha mente foi a série de eventos que levaram à separação do Secos e Molhados. Eu não conhecia a história e depois de ver o filme dei uma investigada para saber mais detalhes.
Fui checar porque não conseguia conceber que o João Ricardo (um dos integrantes do Secos e Molhados) e seu pai (que tinha se colocado como empresário da banda) tinham realmente sido tão estúpidos a ponto de tentar colocar o Ney como um mero empregado da banda, oferecendo-lhe um contrato ofensivo e injusto quando eles estavam no auge do sucesso. Com esse novo contrato João Ricardo seria o detentor da marca Secos e Molhados e dos direitos autorais, e Ney e Gérson Conrad (o outro membro da banda) passariam a ser apenas funcionários contratados.
Ou seja, pai e filho pesaram totalmente a mão, calcularam muito mal, talvez cegos pela ganância. Não sei explicar o que os levou a menosprezar e tratar como um mero contratado a pessoa que era o grande talento da banda. Ney obviamente sabia o que ele tinha a oferecer e caiu fora.
Eu sei que esse é um exemplo extremo de discrepância entre o potencial, o talento, de alguém, e a maneira como ele é avaliado por pessoas de fora. Mas o trouxe aqui porque isso acontece conosco diversas vezes ao longo da vida, mesmo que em escalas muito menores. As pessoas muitas e muitas vezes nos menosprezam. Oferecem salários pífios. Nos demitem injustamente. Não querem nos pagar o preço que cobramos pelos nossos serviços. Nos jogam de escanteio. Nos excluem de projetos.
Claro que muitas vezes nós falhamos, não éramos o melhor candidato, não merecíamos mesmo o contrato. Mas em tantas outras vezes não. Cansei de ver pessoas incríveis e talentosas serem relegadas, mal avaliadas, menosprezadas. E eu mesma, como trabalho com serviços, tenho dezenas de exemplos. A diferença individual de como cada pessoa ou empresa valoriza meu trabalho é muito maior do que vocês podem imaginar. Se eu me balizasse somente por esses olhares, em alguns dias eu me consideraria a última bolacha do pacote e em outros passaria e me sentir como a mosca do cocô do cavalo do bandido.
Por isso é tão importante calibrar a sua percepção sobre si mesmo, se conhecer, construir uma confiança humilde em suas capacidades. Não deixar que o seu valor seja determinado inteiramente pelos outros.
Isso é especialmente importante naqueles momentos difíceis, quando nos vemos patinando. Por exemplo quando estamos desempregados ou estagnados no trabalho. Ou ainda quando vamos tentar algo novo e ainda não temos a experiência como prova de valor.
A ideia principal aqui é que, se a sua noção de autovalor vem de fora, é muito fácil cair em uma profecia autorrealizável da pior espécie. Posso começar a acreditar que eu não tenho o que oferecer porque ninguém está me pagando bem ou me reconhecendo. E assim não ganho prática, não coloco meu talento no mundo, não evoluo, e a chance de alguém querer pagar por isso ou me reconhecer só diminui.
Eu sei que hoje o chavão de acreditar em si é usado para alimentar muitas ilusões. Mas em alguns momentos o único que pode realmente saber da sua capacidade e que precisa dar esse salto de fé é você.
Para terminar, me deparei com essa nota quando estava às vésperas de publicar esse texto e achei que ilustra perfeitamente a importância de romper esse ciclo de esperar pelo reconhecimento para validar os nossos talentos. O importante é começar, praticar, permitir-se evoluir:
O que você sabe que quer e pode fazer, mas não está colocando em ação? Qual seria um primeiro passo, pequeno, mas ainda assim ousado?
Sobre a primeira parte do texto, tenho a dizer que bem depois dos 40 continuamos buscando o nosso talento principal. A autocrítica excessiva acaba nos fazendo abandonar muitos caminhos! Acredito que o ponto mais importante seja mesmo buscar dentro de nós o nosso tesouro especial e parar de esperar o olhar do outro. Temos muitos exemplos de pessoas que não teriam tido seu talento reconhecido se não acreditassem em si mesmos. Não dá para esquecer que o Fred Astaire foi desprezado porque tinha uma voz pequena,, estava perdendo cabelo e só conseguia "dançar um pouco"...
Amei o texto! Como de costume, né? rs
Tô lendo “Arte e medo” nesse momento, recomendo mto :)